Crónica de Jacinto dos Louros sobre a criação dos CTT na Palhaça

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Manuscrito de Jacinto Simões dos Louros

“Em 1908 foi criada a estação dos C.T.T. da Palhaça, e o material para a sua inauguração já tinha sido expedido de Lisboa, mas devido à influência de certo político foi descarregado em meio do caminho, para que a estação não fosse inaugurada até ao dia das eleições, que se deviam efectuar daí por cinco dias. Os elementos da Palhaça mexeram-se e convocaram uma reunião de todo o povo da freguesia para certo dia.

Eu tive informações dessa reunião e que Manuel de Melo, que fazia parte como vogal da Comissão Municipal Republicana, ia aderir ao partido Regenerador então no Governo. Convidei o Snr. Manuel de Oliveira Mota da Feiteira a irmos assistir a essa reunião. Quando chegámos à Palhaça ainda estava pouca gente, mas a pouco e pouco foi-se juntando. Em certa altura apareceu o Snr. Capitão Viegas, acompanhado do Dr. Egas Moniz. O Snr. Capitão Viegas fez a apresentação. Dr. Egas Moniz, homem novo com uma belíssima apresentação e com uma grande facilidade em falar, apresentou-se candidato do partido Regenerador pelo distrito de Aveiro, e aproveitou logo a oportunidade de nos pedir o voto, a que eu respondi: teria muito prazer em votar o nome de V. Ex.ª, mas quando estivesse no meu partido. S. Ex.ª pergunta, a que partido pertence? Ao P.R.P. respondi eu. S. Ex.ª diz: A República não vem, mas se vier nós cá estamos.

Como o povo da Palhaça já estava todo, o Snr. Manuel de Melo arvorou-se em orador oficial daquele povo e entre outras coisas disse: se a estação estiver a funcionar na véspera da eleição V. Exa. pode contar com toda a votação do povo desta freguesia. Depois teve a infelicidade de se dirigir à minha pessoa e diz: Isto é um melhoramento tão importante que nós, povo da Palhaça, não podemos nem devemos deixar de ser gratos a quem no-lo cria, não acha senhor Jacinto?

Eu pedi licença e disse o seguinte: Snr. Dr. Egas Moniz, tive muito prazer em conhecer pessoalmente V. Exa. e aproveito esta oportunidade de saudar V. Exa. O meu partido não tem possibilidade de eleger deputados por este círculo; apesar disso, eu não lhe dou o meu voto porque quero ser coerente com as minhas ideias, mas faço votos que V. Exa. seja eleito. Em resposta à interrogação do Snr. Melo, devo dizer-lhe, embora rudemente que caracteriza o meu modo de ser, mas sem intuito de agravo, o seguinte: se todos os republicanos vendessem os seus ideais por tal preço não havia um único republicano em Portugal!

Como tínhamos observado a razão que nos tinha levado a ir à Palhaça, despedimo-nos e viemos embora.”

(Agradeço a Belino Costa a cedência deste precioso documento para a história da Palhaça)