Eleições autárquicas na Palhaça: a emergência do feminino

Mulheres Autarquias1É nas eleições autárquicas que encontramos uma maior proximidade entre eleitores e eleitos. Nas pequenas freguesias até conhecemos os candidatos e, em muitos casos, mantemos com eles relações de amizade, proximidade e vizinhança. Se essa proximidade já nos agrada, é ainda maior o regozijo quando assistimos a uma participação crescente das mulheres na vida política da nossa terra. Cresce a esperança de novos rostos, de vermos um pouco mais humanizado o poder e um pouco mais diligente o cuidado do outro.

A participação das mulheres na política e a acção transformadora que podem exercer é uma aquisição muito recente em Portugal. Começa praticamente com a revolução de 25 de Abril de 1974. Antes disso, muito caminho foi trilhado, num tempo em que, confinadas ao lar, lhes estava exclusivamente reservado o papel de esposas e mães. Tiveram que lutar e protestar para fazer ouvir a sua voz e reclamar direitos cívicos e políticos, o mesmo é dizer, dignidade e emancipação, instrução e participação activa na sociedade.

Há precisamente cem anos, Ana de Castro Osório apresentou ao Congresso Republicano de 1909 uma proposta para que fosse consagrado no respectivo programa a questão do voto feminino. Instaurada a República no ano seguinte, o Partido Republicano esqueceu rapidamente as “amplas liberdades” que prometera no tempo da Monarquia. Apesar de nas Constituintes muitos deputados terem visto no direito de voto das mulheres uma proposta justa, apenas três tiveram a coragem de publicamente manter as suas afirmações (1). Já vem de longe quem nos empurra, quando falamos em compromissos rasgados ou promessas por cumprir. O que choca, a esta distância, é a insensibilidade dos políticos da época para resolver o problema.

Em matéria de voto feminino, muito somos devedores – homens e mulheres – à médica Carolina Beatriz Ângelo, a primeira mulher a exercer o direito de voto em 1911. Como era viúva, teve artes de aproveitar uma lacuna da lei, que conferia direito de voto aos “chefes de família” (figura jurídica entretanto abolida da Constituição da República) mas sem especificar o sexo dos mesmos. Ora Beatriz Ângelo era “chefe de família” e assim deu um empurrão importante na luta pelo direito ao voto feminino. A incomodidade foi tanta que a lei acabou por ser mudada logo a seguir, para que casos idênticos não viessem a repetir-se.

As mulheres da Palhaça que em 2009 integraram listas partidárias, e por maioria de razão as que as encabeçaram, como aconteceu com as do PS e do CDS, estão de parabéns. Atreveram-se a dar a cara e a desafiar preconceitos, numa terra em que são ainda visíveis algumas representações tradicionais sobre o papel que devem ter na sociedade. A crescente inserção no mercado de trabalho deu às mulheres outra independência e legitimidade para intervir. Ainda bem que assim é. É tempo de se valorizar o que são capazes de fazer em vez de esperarmos que sejam perfeitas – como se fosse possível aos seres humanos ser perfeitos… – uma estratégia cínica que só serve para as diminuir. É um acto de inteligência reconhecermos a sensibilidade e o voluntarismo que denotam para as causas sociais, ou a riqueza de experiências e realidades vividas de que são portadoras.

Mais do que ficar à espera dum sistema de cotas e leis da paridade, as mulheres – e os homens que com a razão da sua luta se identificam – devem continuar a pugnar pelos seus direitos. Convém não embarcar em lugares-comuns generalizados, na lengalenga dos que dizem que as mulheres são melhores em tudo, que são elas quem manda em casa, que exibem um maior quociente emocional, que com o tempo lá chegarão (ao poder), que por detrás de um grande homem está sempre uma grande mulher (quase sempre anulada, para que o homem brilhe…) e outras larachas do costume. Nada de mais falacioso neste discurso masculino que mais não faz que perpetuar, ainda que de um modo subliminar, diferentes formas de dominação. Como se houvesse um determinismo de género no exercício do poder. As mulheres não têm que estar atrás ou à frente dos homens. Devem caminhar a seu lado. Não tanto por uma questão de igualdade, mas como forma de afirmar a sua identidade e diferença e abolir desigualdades. Sim, porque como costumava dizer Maria de Lourdes Pintasilgo a igualdade perfeita não existe apenas na lei e nas formas, mas na vida toda.

As eleições são um jogo onde uns ganham e outros perdem. Mas participar já é ganhar. As mulheres da Palhaça que de forma corajosa se envolveram na disputa eleitoral autárquica saem vitoriosas desta contenda, qualquer que tenha sido o resultado. Há que lhes dar os parabéns. E se por causa da sua condição de mulheres algum arrufo de discórdia ou alguma atoarda integrista lhes foi arremessada durante a campanha, isso significa que a crescente exposição pública a que voluntariamente se submetem está a incomodar os habituais velhos do Restelo e que a melhor forma de apressar o tempo da igualdade de oportunidades é intervir socialmente.

As mulheres na política melhoram a qualidade da democracia e conferem-lhe uma nova dimensão: uma representatividade nos órgãos eleitos mais conforme à composição da sociedade. Se as diferentes comunidades são compostas por homens e mulheres, que razões ou argumentos impedem que quem as representa politicamente sejam homens e mulheres?

Responda quem souber…


(1) João Esteves, As Origens do Sufragismo Português, Lisboa, Editorial Bizâncio, 1998, p. 73.