Natal — este texto que vos deixo

El Greco, A Adoração dos Magos (1600)
Ilustração: El Greco, A Adoração dos Magos (1600)

É assim há vários anos: quando chega o Natal, embrulho-me em tristeza. Ao contrário dos que aguardam a festa natalícia em puro contentamento, o Natal lembra-me sempre os Natais que já foram e, com eles, os que nos são queridos e também já se apartaram do nosso convívio.

Bons eram os Natais em que não havia lugares vazios na mesa e os rigores de inverno se aplacavam à conversa, com os corpos amornados à sonolência da lareira. Em cada Natal mergulho na ilusão de recuar na névoa do tempo. Na ilusão do sapatinho debaixo da chaminé, e do presépio que construía com musgo, pedras e figurinhas de barro, toscas e coloridas. Era o Natal do Menino Jesus e não o do Pai Natal. A diferença não é pequena: enquanto o Menino Jesus vivia despojado de conforto e bens materiais, o Pai Natal já não implora amor ou conforto, coisas que uma divindade da abundância bem pode dispensar.

A chamada festa das crianças continua longe de ser a festa de todas as crianças e da consoada universal. Para uns, taças de prazer; para outros, cálices de amargura. Parece faltar neve, e sensibilidade, para amortecer a crueldade do mundo. Depois do Natal, vamos ter o egoísmo a partir de novo, à desfilada. Deus vai continuar a ser o mercado e a religião o dinheiro. Ora o mercado que mais importa tem de ser o dos afectos: um abraço fraterno valerá sempre mais que o mais luzidio presente de um centro comercial. Abraços, pois, contra o frenesim das compras. Sempre fica mais baratinho do que as prendas em modo de “toma lá, dá cá!”

Nada substitui a atenção e o cuidado que prestamos aos outros, pois a amizade não se mede pelo valor dos presentes que trocamos. Às vezes apetece regressar a Mestre Gil e ao Auto da Feira, para tentar convencer Roma de que é preciso trocar o ouro desta ilusória abundância pela simplicidade rústica dos pastores.

Assim penso, porque continuo a acreditar que a felicidade, quando se divide, também se multiplica.

Dou de presente, aos meus Amigos, este texto. A melhor forma que encontrei para agradecer o vosso convívio e a vossa generosidade, embora esta seja mais para retribuir que para agradecer, se para tanto chega o coração. Um Feliz Natal e um excelente Ano Novo de 2018 para todos.