Sondagens e qualidade da democracia

Temos hoje empresas de sondagens que se mostram mais falíveis que as pitonisas, adivinhos e oráculos da mitologia antiga. Assim acertassem nelas com a mesma precisão com que Tirésias, o profeta cego, acertou ao predizer que Édipo assumiria o trono de Tebas e tomaria a mão de Jocasta.

Quando pedimos uma garrafa de vinho e o conteúdo não corresponde ao rótulo, é costume dizer-se que estão a vender-nos gato por lebre. O mesmo se passa com as sondagens e com quem as paga e se vê a braços com uma autêntica zurrapa informativa. As sondagens divulgadas nos últimos dois meses eram praticamente unânimes: Medina ganhava folgadamente a Moedas. Sondagens e comentários baseados em sondagens, das quais só os ingénuos pensam que o marketing político está ausente.

Só que… sentado em frente da televisão para escutar as primeiras projecções, assim que ouvi falar em empate técnico, pensei para com os meus botões: Carlos Moedas já ganhou. Depois, já passava das duas da matina, viria a confirmação desse triunfo em que muito poucos acreditavam. Quem o anunciou foi António Costa, ao resolver falar antes de Rui Rio.

Depois de tamanho descalabro profético, importa perguntar, tendo presente o elevado nível de abstenção que muitos se esforçam por branquear: até que ponto estas sondagens não são responsáveis por milhares de potenciais votantes não se terem deslocado às mesas de voto? Uns, (apoiantes de Carlos Moedas), porque se convenceram que a eleição estava irremediavelmente perdida; outros, (simpatizantes de Fernando Medina), por entenderem que a eleição estava no papo, que eram favas contadas. Se as sondagens se tivessem aproximado mais dos resultados que hoje conhecemos, que poderia ter acontecido: uma votação mais expressiva em Medina, ou ainda mais expressiva em Moedas?

Eis as perguntas de quem duvida, por estar sinceramente convencido que o caminho de resgate passa pela interrogação em busca de possíveis certezas e não de mitos. De duas uma: ou os portugueses são exímios na arte de dissimulação do voto, sempre que questionados em quem tencionam votar; ou, hipótese também a ter em conta, há incompetência manifesta na forma como os responsáveis pelas sondagens seleccionam os eleitores de uma amostra que se pretende fiável e representativa.

No actual estado comatoso em que se encontram, as sondagens parecem representar mais um perigo do que um benefício para a qualidade da nossa democracia. As coisas só podem piorar  quando alguns papagaios do pluralismo se servem delas como alguém que, depois de emborcar uns tintos em demasia, se encosta aos candeeiros públicos: mais para conseguir amparo do que para se deixar iluminar.