Comunicado
Car@s amig@s,
Foi-nos dado conta do encerramento das Galerias Lumière, decorrente da venda da empresa sua proprietária.
Apesar de alguns lojistas terem já assinado acordos para saírem das suas lojas, seis lojas não foram ainda formalmente notificadas, como é o caso da Livraria Poetria.
Tivemos uma reunião, por nós solicitada, onde nos foi comunicada a intenção da não renovação do nosso contrato de arrendamento, podendo aqui a livraria permanecer até Outubro de 2020, altura em que as Galerias Lumière encerram.
A Livraria Poetria habita as Galerias Lumière desde 2003, ano em que foi criada pela Dina Ferreira e possui uma ligação vital com o sítio onde nasceu, sentimos isso.
Sabemos que constituímos, todos nós que somos Poetria, uma parte deste factor, especial, único e diferenciador que há dezasseis anos nasceu nesta bela cidade e que esta cidade ama.
Acreditamos que este é o momento para que a comunidade que temos vindo a construir se mantenha unida para que juntos consigamos ultrapassar esta situação.
Até lá, estamos empenhados em dar um fim condigno a estas Galerias, com o decorrer normal da sua vida, tendo já comunicado a nossa intenção de continuar a desenvolver apresentações de livros e eventos culturais até ao fim anunciado.
Vamos ficar nas Galerias Lumière, no mesmo sítio, até Agosto de 2020.
Somos o vosso reflexo. São vocês que nos dão coragem, carácter e identidade. Acreditamos num mundo de consensos, e na certeza de que com trabalho e esforço se consegue algo melhor.
Porque o sonho vive, viverá sempre a Poetria!
Comentário
Resido perto de Aveiro, alguns quilómetros a sul. Vou, com alguma frequência, ao Porto. Uma das razões que me atrai à cidade é a Poetria, a primeira livraria de poesia do País. Faço o percurso a pé, a partir da estação de São Bento. É lá que encontro livros que dificilmente vejo noutros lugares. Levo sempre alguns e, à saída, desço três ou quatro degraus e viro à esquerda. Quando o tempo está de feição, sento-me na esplanada daquele café (ou bar?) que fica ali perto, a não mais de cem metros. Leio, e bebo, porque quem lê poesia nunca se abstém.
O comunicado da Poetria é uma daquelas notícias que ferem como punhais. A Poetria não é apenas uma livraria e é mais do que uma casa. Atrevo-me a dizer: é um lar. Um lugar onde nos sentimos bem, onde é possível a troca fecundante de ideias, porque a cultura será sempre confraternização e nunca um egoísmo.
Tenho à minha frente um belíssimo texto de Valter Hugo Mãe sobre a Poetria, no preciso momento em que ela completava dez anos de resistência (dado à estampa no P2, suplemento do Público, 19 de Maio, 2013). A esses dez anos de resistência temos que somar mais seis. Sim, resistência, porque como escreve o autor de “Homens imprudentemente poéticos”, a poesia “tem o seu lado de protesto contra a banalidade”. E porque a Poetria é “como uma livraria gourmet, porque a poesia traz o melhor da literatura, a aventura maior, o risco, o modo como segue à frente a desbravar caminho puramente no escuro”.
Diz ainda V.H.M., no texto a que aludo: “Os poetas são feitos de cristal. Vidrinhos a correrem o risco de partir (…). Por isso é tão admirável durar-se dez anos a equilibrar frasquinhos perigosos de maravilha”. Infelizmente, com esta notícia que ninguém gosta de receber, é bem provável que, a partir do Verão de 2020, se torne mais difícil continuar a destapar e a apreciar as delicadas essências desses precários frasquinhos de sabedoria.
O que nos resta? Resistir, não ficarmos deitados, calados, a esperar o que acontece, como aquela nêspera do “Rifão Quotidiano” do Mário Henrique-Leiria. Aquele bairro do Porto precisa da Poetria. E os que por lá costumam passar, para dar uma palavrinha, perguntar por um livro, folhear e comprar outros, também. Ou não fossem os livros (ainda) um bem cultural insubstituível. Afinal, são eles que “nos ensinam a escutar a voz humana” (Marguerite Duras) ou funcionam como pontes “para nos levar a terras distantes” (Emily Dickinson).
Contra os que dobram a cerviz à curvatura de interesses que nada têm a ver com a cultura e a transformam em comércio e mercadoria, é preciso encontrar formas de resistir. Contra este mundo lúgubre e sem generosidade, alguém tem de engendrar um “golpe de asa” que salve a Poetria da extinção.
Não a deixem fenecer, ouviram? Não permitam que estes lamentos ou breves gemidos culturais se convertam em elogio póstumo. O pior que pode acontecer aos que gostam da Poetria é começarem a sentir, um dia destes, uma faca de saudade atravessada na garganta.