Achegas para a história da Palhaça: o toque dos sinos

Durante a Primeira República muitas polémicas foram ateadas por causa do toque dos sinos, mesmo em freguesias mais recônditas e nos lugares mais pacatos. O badalo era o constante pomo de discórdia entre católicos e não católicos.

Em tempos de eriçado anticlericalismo o toque dos sinos era considerado, por muitos, como a mais ruidosa das manifestações do culto externo. Outros, cujas vidas eram ritmadas por esse toque, teimavam em manter a tradição, já que na sabedoria popular a voz dos sinos era a voz de Deus. Havia mesmo quem acreditasse que afugentava os diabos e as trovoadas.

O curioso episódio que a seguir se relata passou-se na Palhaça e não deixou de ser aproveitado na campanha anti-religiosa que grassava um pouco por todo o lado.

No lugar de Vila Nova, quando foi conhecida a notícia da morte do Papa Pio X, o sacristão Joaquim Francisco Caniçais Júnior subiu à torre e começou a tocar os sinos, em sinal de sentimento. Como estava só, tinha de deixar um para tocar o outro. Isso obrigava-o a passar repetidas vezes por um buraco profundo, situado no centro da torre e que permitia o movimento dos pesos do relógio. Lá se foi equilibrando durante algum tempo, fazendo nos sinos uma “barulheira infrene”.

A certa altura, porém, foi colhido pelo bordo de um dos sinos que o atirou para o tal buraco, onde ficou como morto, de cabeça para baixo. Quando dali foi retirado apresentava uma profunda brecha na cabeça. O mais grave é que terá ficado privado das suas capacidades mentais. Ao comentar jocosamente esta notícia, o correspondente do jornal de Anadia Bairrada Livre acrescentava: “E assim teve a recompensa do seu piedoso acto! Ou o papa não era santo ou a ingratidão não é defeito exclusivo dos pobres mortais” (1)


(1) “Um desastre”, Bairrada Livre, n.º 195, 25.09.1914, p. 3. Ver, também, Nuno Rosmaninho, “O anticlericalismo na província: um ferreiro da Bairrada”, Actas do Colóquio O Anticlericalismo Português: História e Discurso, Aveiro, Universidade de Aveiro, 2002, pp. 307-326. Publicado também em Aqua Nativa, Anadia, n.º 21, Dezembro de 2001, pp. 27-38.