Era de prever: com o aproximar das eleições autárquicas, o recém-criado movimento UPOB (Unidos Por Oliveira do Bairro) teria o seu baptismo de fogo. Os movimentos de cidadãos – ora encabeçados por independentes, ora por quem já teve uma filiação partidária – têm muito a ver com a insatisfação contra o funcionamento dos partidos políticos e os seus processos de escolha de candidatos. Por isso, há cada vez mais cidadãos que à revelia dos partidos se organizam para resolver os problemas das suas comunidades. Ao fazê-lo, alargam o espectro da participação política sem que tenham de se submeter às trocas de favores e às intrigas em que se atolam muitas estruturas locais dos partidos tradicionais.
As listas sem patrocínio partidário não agradam, é bom de ver, aos que tudo têm feito para enquadrar e até monopolizar os direitos dos cidadãos. O atrevimento dos que deixam o casulo partidário e abandonam a sua zona de conforto teria que esbarrar nos que sempre olharam, com desconfiança, para qualquer proposta de refrescamento da vida autárquica. A esses convém dizer que se não há democracia sem partidos, a democracia também não se esgota neles.
E como em Oliveira do Bairro também os lobos uivam, o UPOB já teve o seu baptismo de fogo. Na edição de 23 de Março de 2017, o Jornal da Bairrada inseriu um texto assinado por Pedro Fontes da Costa, com o seguinte título: “Candidato da UPOB à Câmara de Oliveira do Bairro plagia Plano Estratégico do Sabugal 2025”. Assim mesmo, falando de plágio de uma forma peremptória. Só que, logo no primeiro parágrafo, o citado jornalista troca o assertivo “plagia” pela expressão mais evasiva “terá plagiado”.
Em que ficamos? Quando num título de jornal se diz, sem evasivas, que há plágio e logo a seguir se fala em eventual plágio, estão a colocar-se em causa valores básicos do jornalismo como a procura da objectividade e a busca da isenção. Se o título de um texto não bate certo com o corpo da notícia, é comum dizer-se que estamos a vender gato por lebre. É o que acontece quando o rótulo de um vinho não corresponde ao conteúdo da garrafa: estamos a defraudar as expectativas do cliente.
Mais do que uma opinião, ou uma metáfora, o rótulo de plágio que Pedro Fontes da Costa colou ao candidato Fernando Silva é uma acusação (não esqueceu, sequer, a moldura penal…) que deve ser comprovada. Ou se prova a acusação – com consequências para o visado – ou o rótulo é difamatório e tem consequências para o autor da notícia. A quem acusa incumbe o ónus da prova. Se o não fizer, então o texto do Jornal da Bairrada não terá passado de pólvora seca: fez estrondo, mas talvez poucos estragos na imagem do candidato. Ou há prova, ou tudo não terá passado da construção de um insulto que a alguém aproveita.
Para que não subsistam quaisquer dúvidas, quero desde já acrescentar que o texto de Pedro Fontes da Costa tem pelo menos um mérito: o de nos dar a conhecer que o artigo de opinião assinado por Fernando Silva, na edição de 9 de Fevereiro do mesmo jornal, não é da sua autoria. E isso não soubemos, na altura. Bastaria uma simples alusão ao Plano Estratégico do Sabugal para tudo ser diferente. Para não sermos, enquanto destinatários da sua mensagem, induzidos em erro ou enredados nos problemas da verdade ou da falsidade dos discursos produzidos.
Dito isto, vale a pena acrescentar que a facilidade com que hoje se acede aos bens culturais disponibilizados em rede levanta problemas sérios quando falamos de utilização ilícita. Como os coloca, também, quando estamos em presença de noções como “direito de autor”, “propriedade intelectual” ou “plágio”. Quando uma pessoa copia outra sem citar as fontes, para haver plágio é preciso provar que essa outra pessoa também não se inspirou em ninguém. Dito de outro modo: que o que essa pessoa escreveu ou disse é cultura em primeiro grau e não, como acontece com as anedotas, tabaco já mascado por muitas bocas.
Ora, no caso em análise, podemos ler na própria notícia do Jornal da Bairrada que Victor Cardial chama a si a propriedade intelectual do documento, quando afirma: “Fui eu que escrevi o que está no Plano Estratégico do Sabugal e dei autorização ao Eng.º Fernando Silva para publicar. E fui eu que lhe pedi para não colocar o meu nome no artigo de opinião que foi colocado no jornal”. E quando se diz que que o artigo de opinião de Fernando Silva reproduz “de forma quase integral” (sublinho o quase) duas páginas do Plano Estratégico do Sabugal, está-se a reconhecer que o texto “apresenta alguns elementos de inovação”. Ora a inovação, acrescentada ao documento inicial, também fragiliza a noção de plágio.
Para se poder falar de roubo intelectual são precisas três coisas: um objecto roubado, um ladrão e uma vítima. No caso em apreço quem é a vítima? Quem se queixou? Ninguém. O detentor da propriedade intelectual do documento apenas se justificou. Nem sequer exigiu ver o seu nome tornado público. Em vez disso, limitou-se a autorizar a utilização da sua obra.
Como era de esperar, nada disto foi suficiente para abafar as acusações de plágio. O que veio à tona, não só no Jornal da Bairrada, foi um indisfarçável azedume contra o novo movimento cívico. Ninguém se preocupou em saber se o Plano Estratégico do Sabugal está a ser bem aplicado, se está a ter sucesso, ou se pode representar uma mais-valia para o concelho de Oliveira do Bairro. Discutir ideias dá trabalho e só discute ideias quem as tem. Mais importante, para alguns, é tentar fragilizar os adversários políticos. Pouco importa se um artigo de jornal não é propriamente um trabalho académico ou se o Jornal da Bairrada está longe de poder ser considerado uma revista científica. Falta a citação, a nota de rodapé… e pronto!
Além das ideias que perfilha para o concelho, um candidato a Presidente da Câmara não está impedido de importar ou imitar modelos que no plano material ou estético enriqueçam as suas propostas. Se muitos autarcas viajassem e conhecessem o que se faz por essa Europa fora, não teríamos certamente que contemplar os mamarrachos que por aí abundam em praças, rotundas e jardins públicos. Quando as BUGA (bicicletas de utilização gratuita) apareceram em Aveiro – certamente inspiradas na Holanda, na Bélgica ou noutro país qualquer – o Presidente da Câmara incorreu em plágio por não citar a fonte da sua inspiração?
Enfim, como o discurso político é um dos que maior carga de contrabando de sentidos pode gerar, é legitimo que os eleitores locais se interroguem se alianças como a do UPOB significam amor verdadeiro aos interesses do concelho ou tão só a salvaguarda de interesses particulares. Se são ouro de lei ou apenas reflectem o brilho de falsos ouropéis. O certo é que estas candidaturas assustam, a avaliar pelos resultados de 2013.
Vai ser um ano escaldante – antecipava um dia destes a directora do Jornal da Bairrada. Pois vai. Oxalá que o aproximar das eleições autárquicas não nos devolva as cenas menos edificantes registadas há uns bons quinze anos na Assembleia Municipal do nosso concelho. Numa delas, um ilustre representante do poder local “teve que ser agarrado e aconselhado pelos colegas a sair da sala para que os ânimos arrefecessem um bocado. Uma verdadeira sessão de pancadaria esteve mesmo iminente” – pode ler-se na edição do Jornal da Bairrada de 2 de Dezembro de 2004. Talvez o UPOB ajude a refrescar as estruturas partidárias locais e a arejar um pouco mais a casa da democracia do concelho.
Até lá, convém estarmos atentos. Como acontece com Uma Campanha Alegre, de Eça de Queirós, nada nos garante que não vá ser preciso derrubar, uma ou outra vez, a “tolice de cabeça de touro”.