Manuel Pinho começou a descer na minha consideração quando deixou que o camartelo derrubasse um edifício que lhe pertencia e acabou por se sujar com o pó da demolição: a casa de Almeida Garrett. Esta, como a Casa Grande de Romarigães ou a Casa de Camilo, são lugares de memória, espaços de recordação que devem ser preservados e legados às gerações futuras. Cuidar do que recebemos é dar atenção, não é deixar ao abandono ou destruir. A Casa de Garrett já não existe. Desabou com estrondo, após mais uma cedência vergonhosa do poder político às pressões económicas do momento e aos interesses privados do seu proprietário.
Voltou Manuel Pinho a descer um degrau na minha consideração quando fez aos chineses uma oferta descarada de mão-de-obra barata em Portugal. Também quando, num evidente abastardamento da língua, quis transformar o Algarve em Allgarve. Ou até quando soprou umas certezas sobre o fim da crise, no preciso momento em que ela mais flagelava os portugueses.
O então ministro da Economia bateu no fundo da minha consideração quando resolveu brindar com um “par de cornos” um deputado da oposição. Gesto técnico lamentável, porque desprovido de qualquer sentido ético ou estético, e ainda menos sentido de Estado. Gesto impróprio de uma cidadania adulta e de um democrata que se preze. Acabou demitido, tramado pelos indicadores (os seus, embora também pudéssemos falar dos económicos).
E quando se pensava que já não podia descer mais, ei-lo agora a chafurdar no pântano das relações perigosas em que se movimenta. É muito importante sabermos se Manuel Pinho recebeu da sua anterior entidade patronal (do aparentemente inesgotável saco azul do Grupo Espírito Santo), no exercício de funções governativas, qualquer tipo de remuneração (fala-se em quase 15 000 euros mensais transferidos para uma offshore, ascendendo o montante global a um milhão de euros e metade desse valor auferido enquanto governante). É que se recebeu, estamos a falar de uma grosseira ilegalidade, já que os membros do governo estão sujeitos à exclusividade de funções durante o exercício do seu mandato. Mas mais do que isso: se teve esse benefício, interessa saber se não se deixou capturar pelos interesses privados, se muitas das decisões que tomou não favoreceram quem o remunerou, em vez de preservarem o interesse público.
Pinho não desmentiu nada daquilo de que é acusado. Diz que vai ao Parlamento, mas que não fala, que entra mudo e sai calado. Quem não deve não teme. Pinho seria o primeiro interessado em esclarecer e negar tudo aquilo de que o acusam. Dizer se houve ou não influência política nos créditos concedidos pela Caixa Geral de Depósitos e clarificar as relações do Estado com a EDP. Por que se cala? Eis a crise da palavra. Da ética republicana. Da transparência na vida política. E da honra.
Resta acrescentar que Manuel Pinho adquiriu a Casa de Garrett à sua anterior entidade empregadora, o grupo Espírito Santo. Entretanto, sabemos que Ricardo Salgado, arguido já em quatro processos (Monte Branco, GES, Marquês e EDP) continua a proclamar aos quatro ventos a sua inocência, a dizer que nunca corrompeu ninguém. Quero também proclamar aqui que fui ontem a Saturno pesquisar a origem dos anéis e ainda tive tempo de regressar ao planeta Terra e ir jantar à Polinésia.
Já agora, ficámos também a saber que José Sócrates confessou esta coisa extraordinária: “A única motivação ao longo da minha vida que encontro para a actividade política é essa: a vaidade”. Apetece dizer, citando o grande vate: Ó glória de mandar! Ó vã cobiça / Desta vaidade a que chamamos fama!
Convém lembrar que em seis meses Bernard Madoff foi julgado e condenado a prisão perpétua. Estamos a falar da maior fraude de sempre, que se prolongou por duas décadas e ficou resolvida enquanto o diabo esfrega um olho. Por cá as coisas são como são: arrastadas, longas e penosas, a fazer lembrar o processo de Kafka. Até quando?…
Acudam-me, que começo a ficar deprimido. Já não aguento tanta trafulhice e desconfio cada vez mais da justiça dos homens. Gente deste calibre, capaz de vender a alma ao diabo e dar cabo das nossas vidas, só pode merecer o nosso mais vivo repúdio. Faz-nos tanta falta como a viola no enterro. É tempo de nos deixarmos de vistas curtas. De ver claro, limpando de vez os óculos embaciados da ideologia. A democracia assim o exige, para não retroceder ainda mais, correndo o risco de sucumbir às mãos dos seus inimigos. Isto para quem ainda acredita nela, claro está.