“Mas esta dor no peito, a falta de ar, / Esta barba há três dias por fazer /
Já ´stão à minha espreita ao despertar.”
Manuel Resende
Emudeceu a lira insubmissa e desalinhada, no derradeiro solo. Era amigo do meu amigo Arsénio Mota, fraternidade forjada há muitos anos na redacção do Jornal de Notícias. Homem discreto e reservado, apenas se expandia nos versos. O poeta raro e bissexto (publicou apenas três livros) finou-se hoje, pela manhã.
Com formação em Engenharia, nunca quis ser doutor em demolições ou construções. Preferiu fazer versos e traduzir Kaváfis, Seféris e outros. Foi a partir da apresentação do primeiro destes poetas gregos que conheci – tão tardiamente! – Manuel Resende. Depois saltei para a Poesia Reunida, que fui lendo e continuo a ler com redobrado prazer.
Em Maio de 2019 pedi-lhe amizade no Facebook. E disse-lhe que foi ao manifestar ao nosso comum amigo o apreço pela sua obra poética que fiquei a saber da amizade real que os unia. Resposta dele: “muito prazer e muito obrigado… e um grande abraço ao Arsénio!”
Agora que as Parcas o levaram, resta a poesia que nos legou e um autógrafo aposto num dos livros que atestam a sua presença aqui por casa. Não posso estar mais de acordo quando diz que a poesia é muito rara para ser desperdiçada com porcarias. Que a sua poesia seja eterna, meu querido poeta do tempo, da liberdade e do amor.
Também o que é Eterno
Também o que é eterno morre um dia.
Eu tusso e sinto a dor que a tosse traz;
O doutor quer por força a ecografia,
Mas eu não estou pra tantas precisões.
Eu rio à morte com um riso largo:
Morrer é tão banal, tão tem que ser!
Disto ou daquilo, que me importa a mim?
Mas, ó horror, com fotos, não, nem documentos!
A tanta exactidão mata o mistério.
O pH, o índice quarenta…
Não quero as pulsações, os eritrócitos,
O temeroso alzaimer, ou o cancro,
Nem sequer o tão raro, do coração.
Ver o pulmão, o peito aberto, o coração,
A palpitar a cores no computador?
Eu morro, eu morro, não se preocupem,
Mas sem saber, de gripe, ou duma coisa,
Ou doutra coisa.
Manuel Resende, in ‘O Mundo Clamoroso, Ainda’
Se depois de eu morrer.
quiserem escrever a minha biografia, não há nada mais simples.
Tenho só duas datas : a de minha nascença e a de minha morte.
Entre uma e outra todos os dias são meus……. (Fernando Pessoa) Até sempre poeta!