Os chifres de Belzebu, como fonte de inspiração artística

 

Cornos de Pinho cartoon
Cartoon de António (Expresso, 05.05.2018)

Embora não goste de touradas, é-me difícil resistir à tentação de voltar a falar nos cornos de Pinho. Há uma razão para isso: quando agora sabemos que um ministro da Nação foi ao mesmo tempo um avençado do Banco Espírito Santo (a avaliar pelo silêncio, quem cala consente) a coreografia que fez não foi para ninguém da oposição, mas para todos os portugueses. O gesto bovino insulta-nos a todos. E o raciocínio seria o mesmo, se em vez dos cornos pusesse a língua de fora ou nos brindasse com um manguito de insolência.

Sempre que um político do governo corrompe ou se deixa corromper, está, embora metaforicamente, a colocar os cornos a todos os portugueses. Se pudesse, garanto-vos que lhes aplicava o seguinte correctivo: assim como alguns – os mais velhos – ainda terão usado, nas escolas primárias do Estado Novo, as célebres “orelhas de burro”, obrigava-os agora a usar, para todo o sempre, uns retorcidos chifres de Belzebu.

Camilo José Cela1Como é sabido os cornos sempre foram, ao longo do tempo, motivo grande de controvérsia. Nas relações conjugais (quem os tem, por dádiva ou herança, esconde-os, não os usa), na tauromaquia (às vezes lá entra um corno na artéria, ou na veia femoral), na arte popular, na mitologia (símbolos de poder e autoridade) ou até na poesia e na literatura. Relembro, aqui, o “Coro dos cornudos” de Luiz Pacheco, declamado pelo Mário Viegas, e mesmo o “Rol de Cornudos”, de Camilo José Cela, escritor agraciado com o Nobel da Literatura em 1989, que nesta obra vincadamente humorística nos propõe uma divertida antologia dos diversos tipos e subtipos de ser cornudo. Deveras instrutivo, se me é permitido um conselho de amigo. Reparem só nesta passagem que caracteriza o “cornudo milagreiro”: aquele que, depois de muitos anos de esterilidade se encontra com um filho nos braços, que, não sendo seu, até parece que é, ou, mesmo que não pareça, lhe é atribuído. Costuma encontrar mui benéfica consolação ao pensar em São José e na Sagrada Escritura.

Cornos há, pois, muitos e para todos os gostos: o de marfim, o afrodisíaco, o manso, o de pinho, o de África, o que não se vê e até a dor de corno. É só escolher. Ser ou não ser, eis a questão. E quem não quer correr riscos, já sabe: o melhor é morrer solteiro. Já contra os cornos metafóricos da política, o melhor é seguir à risca o que pedia o embaixador e escritor alemão Stéphane Hessel, porque, ao que parece, indignarmo-nos já não chega: Empenhai-vos! Podemos não apreciar os duelos na arena política, mas às vezes fica a sensação de que ninguém se importa de continuar a ser colhido. Até à marrada final? Não será mais avisado, como no poema de Ary dos Santos, pegar o mundo/ pelos cornos da desgraça/ e fazermos da tristeza/ graça?

Ouçam bem o que vos digo: só é corno quem quer. Ou quem não sabe…