Há dias revi, creio que pela terceira vez em televisão, o belíssimo filme “A Vida de Adèle”. Kechiche, o realizador franco-tunisino que também nos brindou com “O Segredo de um Cuscuz”, concebeu este filme a partir da adaptação cinematográfica da novela gráfica “O amarelo é uma cor quente”.
Adèle, nos seus esplendorosos 15 anos, é uma estudante de literatura que namora com rapazes. Pressionada pelas amigas a ter uma primeira experiência amorosa com um deles, o resultado não a entusiasma. Após um beijo ocasional trocado com uma amiga de estudo, tudo muda quando o seu olhar de rio manso se cruza com o de Emma, a rapariga de cabelo azul, universitária de belas-artes que vive a sua sexualidade de forma descomplexada. Assim começa uma história de encontros, de amor e descobertas.
Sublime história de amor entre duas mulheres, o filme é também um murro no estômago dos preconceitos. Filme avassalador, onde o amor está para lá do género e se passeia de braço dado com referências artísticas, filosóficas e até gastronómicas. Há alusões a Picasso, comparações sobre obscuridade e luz em Egon Schiele e Gustav Klimt, à mistura com alusões filosóficas a Sartre, ao escritor “engagé” e à célebre máxima de que a existência precede a essência (Adèle dirá metaforicamente a Emma, que a ajudava nos caminhos da filosofia, que o orgasmo precede a essência).
Um filme a que não se resiste – mesmo que já o tenhamos visto antes – que se nos cola à pele e dificilmente se esquece. A história de uma atracção fatal e instintiva, a que é impossível renunciar. Uma relação amorosa de intimidades sufocantes, com altos e baixos, como o são todas as relações amorosas. A vida de Adèle é o amor em estado puro. Está lá tudo aquilo com que a vida nos brinda: amor e ciúme, sedução e manipulação, prazer e sofrimento, aproximação e ruptura, alegria e choro convulso.
A realidade nua e crua vista a partir da ficção. Um hino de amor à liberdade. Um filme soberbo, porque autêntico. Do nosso tempo, porque oportuno e desafiante.